Meia hora olhando pro mesmo ponto, eu uma sala fechada as vezes é muito tempo, muito mesmo, meia hora conversando, as vezes me parece dois minutos.Olhava pra cadeira a minha frente, olhava pros artigos de escritório em cima da mesa, olhava pro telefone.Batucava qualquer ritmo na mesa, fitava os quadros do ministério da saúde, propaganda contra o tabaco, desenhava novas propagandas em minha mente.Espera era inevitável, estava pacificamente calmo, amistosamente esperançoso.Fumaria um cigarro se tivesse coragem.Levantaria da minha cadeira e andaria até a janela, se, somente se, tivesse coragem.Mas no estado que eu me encontrava, só de olhar e pensar o mundo já era um ato extremo de coragem, então melhor não abusar muito do meu limite.Quinze minutos a mais, estava na mesma posição inicial, só que com a cabeça mais inclinada pra porta, em uma tentativa ridícula de ouvir os passos dos médicos. Hahaha sou deprimente.E eu resolvi procurar um especialista.
Meu medico tinha mais ou menos a minha idade, só trabalhava de manha no hospital, tinha duas filhas gêmeas e umas estrelas tatuadas no corpo, engraçado quando se faz tatuagens na adolescência depois se fica velho e aquele desenho já não tem mais nada a ver com você, sei disso porque tenho propensão a virar amigo dos meus médicos, e ele me contou sobre suas tatuagens e me mostrou.
Bem quarenta e cinco minutos é muita coisa pro um raio de um exame, levantei me e caminhei devagarzinho para saída, como uma tentativa mesmo que inútil de que meu silencio pudesse atrasar mais um pouco o medico.Deu certo.
Desci os 17 andares, caminhei pro estacionamento, peguei meu carro, peguei transito, ela me ligou, voz cansada, um pouco de humor ainda vivia eu podia sentir, comprei algumas flores.
Passei no apartamento dela, deixei lá, ainda fui perturbado com ela falando que devia estar morrendo mesmo pra eu, levar flores, rimos juntos.Fui me embora, sobre o exame prometi que pegaria, que não estava pronto.Médico me ligou, não quis atender, pela manha iria lá novamente, se somente se, tivesse coragem para repassar o resultado, ou quem sabe para aceitá-lo.
Durante toda minha vida, eu nunca tive medo de muitas coisas, por que acho que o que fica é o que se vive, com intensidade, com o corpo todo, de cabeça, o que morre, não foi vivido, que seja, que vá.O que ficou, ficou pra sempre, enquanto minha memória assim, funcionar.
Três semanas depois, já sabíamos o resultado, ela piorara de uma forma drástica, estava na cti, fui visita la, para dar noticias de algumas coisas novas do trabalho, estava pálida, mas ainda ria, então pra mim, vivia.Sabia melhor do que ninguém que era muito mais psicológico do que outra coisa.
Dois dias, telefone toca, a doida fugira do hospital, estava na minha portaria, fomos beber e ver o mar.
Três dias depois, recaída.Morte.
Não sei lidar com morte, nunca soube, só sei que subitamente, faltou me o chão, faltou me ar.Meu corpo só pedia algo sólido pra se encostar, mas nada era sólido, nada era forte suficientemente pra agüentar toda aquela dor. Todo aquele peso, de dentro e mim.Não havia mais vida, não havia mais nada.Enquanto havia vida, haveria oportunidades de coisas acontecerem, mas e agora?De fato a morte é inexorável, não queria mais estar ali.Queria um coma induzido, por alguns meses, uma amnésia repentina, qualquer tipo de covardia como solução pra mim.
Tive que tomar todos os procedimentos, de caixão, funerária, avisa os mais próximos.Tive que aprender a apreender sem emoção.Não acreditava naquele corpo mais como apenas corpo,morto, não mais vida, palavras, sorrisos, risadas, choros, gritos, aquele corpo já não tinha mais valor algum.Eu a enterrei no melhor cemitério, flores, e rapidez, não queria ficar vivendo aquilo por muito tempo.Algo de valor morreu em mim.Alguma porcentagem do meu coração tinha morrido, haveria de fazer uma reconstituição de algum átrio, pra que vivesse por mais tempo, haveria de continuar a vida.Mas sem muita cor.